O cotidiano espiritual e material da sociedade do século XVII transformou profundamente a forma como a arte e a literatura eram expressas. Foi nesse clima de instabilidade e dualidade que surgiu o Barroco, um estilo literário repleto de contrastes marcantes, dilemas existenciais e religiosidade intensa. Mais do que um simples movimento estético, o Barroco refletia os medos, desejos e conflitos de uma época em que o humano oscilava entre o pecado e a salvação.
No Brasil e na Europa, esse estilo manifestou-se por meio de obras densas, dramáticas e altamente simbólicas, em que o sagrado e o profano se entrelaçavam constantemente. Com recursos estilísticos elaborados, os textos buscavam não só emocionar, mas também convencer por meio do engenho com as palavras e ideias.
O que você vai ler neste artigo:
Contexto histórico do Barroco
Reforma protestante
No século XVI, o monge alemão Martinho Lutero iniciou um movimento de crítica às práticas da Igreja Católica, como a venda de indulgências. Sua proposta defendia que a salvação viria apenas da fé e não por meio de doações ou penitências. Esse questionamento deu origem à Reforma Protestante, que rapidamente se espalhou por boa parte da Europa.
Outro nome relevante nesse cenário foi João Calvino, que afirmava que o lucro fruto do trabalho era uma benção divina. Essas ideias atraíram boa parte da burguesia, contribuindo para o afastamento de massas da Igreja Católica.
Contrarreforma católica
Em reação à Reforma, a Igreja Católica consolidou o movimento conhecido como Contrarreforma, que buscava reafirmar os dogmas católicos e recuperar os fiéis perdidos. O Concílio de Trento (1545-1563) foi um dos marcos dessa reação, promovendo medidas como:
- Reativação da Santa Inquisição;
- Criação do Index Librorum Prohibitorum (índice de livros proibidos);
- Fundação da Companhia de Jesus, com forte atuação pedagógica e missionária.
Essa tensão religiosa foi o pano de fundo para a ascensão do Barroco. Assim, o conflito entre fé e razão, espírito e carne, céu e terra, refletiu-se de forma intensa na produção literária do período.
Características do Barroco
O estilo barroco é conhecido por sua complexidade formal e ideológica. Seus textos revelam uma tentativa de harmonizar opostos, expressando uma visão de mundo conflituosa e melancólica. A seguir, as principais características da literatura barroca:
- Culto ao contraste: uso constante de oposições semânticas (vida/morte, céu/inferno);
- Antítese e paradoxo: destacados na construção de imagens que expressam contradição;
- Pessimismo existencial: descrença no mundo terreno como espaço de realização plena;
- Rebuscamento linguístico: emprego de figuras de linguagem e estruturas sintáticas complexas (feísmo, hipérbato, cultismo);
- Apelo sensorial: intensidade poética por meio da sinestesia e metáforas visuais;
- Dualismo espiritual: luta entre o prazer carnal e a salvação da alma;
- Temas frequentes: fugacidade da vida, vaidade humana, fragilidade diante da morte.
Além disso, o Barroco foi marcado por dois estilos complementares: o cultismo(jogo de palavras, também chamado de gongorismo) e o conceptismo(jogo de ideias, expressão lógica e argumentativa, influenciado por Quevedo).
Barroco na Europa
O Barroco se espalhou rapidamente pela Europa, principalmente nos países católicos. Na Espanha, destacaram-se Luis de Góngora com sua linguagem complexa e ornamentada, e Francisco de Quevedo, mestre na arte dos jogos de ideias. Já em Portugal, autores como Padre António Vieira, Francisco Rodrigues Lobo e Soror Mariana Alcoforado foram ícones dessa estética carregada de espiritualidade e paixão.
Os poetas desse período buscavam demonstrar, por meio da forma e do conteúdo, os conflitos internos gerados pela efemeridade da vida e a busca pela salvação eterna. Suas obras se ancoravam nos sentimentos humanos mais profundos, confrontando o leitor com sua finitude e sua fé.
Barroco no Brasil
A literatura barroca no Brasil teve início com Bento Teixeira e seu poema épico Prosopopeia, de 1601. No entanto, os nomes que verdadeiramente definem o Barroco brasileiro são Gregório de Matos e Padre António Vieira.
Padre António Vieira
Reconhecido por seus brilhantes sermões, Vieira representava o Barroco conceptista, estruturando discursos com argumentos fortes, citações bíblicas e metáforas elaboradas. Apesar de defensor da fé e da coroa portuguesa, também foi crítico social e político. Chegou a ser perseguido pela Inquisição por defender os judeus convertidos.
Em seu famoso Sermão do Mandato, de 1643, Vieira afirma que Deus está enfermo de amor pela humanidade, uma metáfora ousada, carregada de amor divino e dor existencial. O sermão é exemplo da fusão entre teologia, retórica e literatura, traço típico do Barroco.
Gregório de Matos
Apelidado de “Boca do Inferno” pelas críticas mordazes que fazia à sociedade colonial, Gregório de Matos foi um poeta versátil. Sua obra pode ser dividida em três vertentes principais:
- Poesia lírica ou filosófica: dilemas entre corpo e alma, amor humano e misticismo;
- Poesia sacra: expressão da fé e do arrependimento;
- Poesia satírica: crítica social, moral e política da Bahia do século XVII.
No soneto Inconstância dos bens do mundo, o poeta utiliza a antítese para evidenciar a efemeridade da vida. Já em A Cristo crucificado, expressa sua fé e sua esperança de salvação, mesmo diante do reconhecimento de seus pecados. O poeta traduz com intensidade os conflitos centrais do Barroco: entre o divino e o humano, o prazer e o castigo, o viver e o morrer.
Dessa forma, o Barroco, com sua riqueza estética e profundidade temática, permanece como um dos mais complexos e fascinantes estilos da literatura. Por meio de seus textos altamente simbólicos e conflituosos, oferece ao leitor uma visão dilacerante da condição humana. Portanto, reconhecer e compreender suas nuances é essencial para quem deseja dominar a literatura nacional e universal, em especial nos exames vestibulares e no ENEM.
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