A literatura de cordel desperta a curiosidade logo pelo nome, nascido do modo como seus livretos eram expostos em cordas finas, nas feiras nordestinas. Com narrativas envolventes, linguagem direta, temática regional e rima afiada, esse gênero se consolidou como uma das formas mais ricas de expressão cultural no Brasil.
Criada por poetas populares nordestinos, sua oralidade ressoa com o povo, enquanto imprime em versos histórias divertidas, críticas sociais e lendas folclóricas. Mais do que entretenimento, é resistência cultural viva em cada estrofe.
O que você vai ler neste artigo:
O que é literatura de cordel?
A literatura de cordel é um gênero literário popular composto principalmente por poemas narrativos escritos em versos rimados e métricos. Distribuída em folhetos, ela carrega uma base oral forte, surgindo da tradição de cantadores e violeiros que declamavam suas rimas para o público em feiras livres. A linguagem acessível e o humor característico tornaram o cordel um meio eficaz de comunicação de massa nas regiões interioranas do Brasil.
Impressos com capas ilustradas por xilogravuras, os folhetos tornaram-se objetos típicos da cultura nordestina. Em muitos casos, os cordelistas recitam ou cantam suas composições para o público, promovendo um encontro entre poesia e música que amplia ainda mais a força dessa expressão cultural.
Origem da literatura de cordel
A literatura de cordel teve inspiração nos chamados “romances de cordel” portugueses, produzidos entre os séculos XV e XVI. No Brasil, o gênero tornou-se popular no fim do século XIX, especialmente no Nordeste, onde se adaptou a novas temáticas e formas de divulgação.
O nome “cordel” veio da forma como os folhetos eram expostos nas bancas, que eram pendurados em cordas. Esses textos logo se tornaram ferramentas poderosas para registrar histórias do povo, lendas regionais, críticas sociais e até eventos políticos. O pesquisador francês Raymond Cantel foi o responsável por batizar esse gênero como “literatura de cordel” no Brasil, um termo que depois se popularizou.
Características marcantes da literatura de cordel
A força do cordel está na junção entre forma poética e conteúdo social. Suas principais características são:
- Versificação ritmada e rimada: Os textos seguem uma métrica constante, geralmente redondilha maior (sete sílabas poéticas) e uso de estrofes em sextilhas ou décimas.
- Linguagem simples e acessível: Estilo direto, com sotaques e expressões típicas do Nordeste.
- Temáticas populares e regionais: Aborda o cotidiano, crenças populares, histórias de vaqueiros, lendas, política e humor.
- Presença de elementos satíricos: O riso e a crítica aparecem com frequência, seja em forma de ironia ou paródia.
- Apresentação visual: Folhetos simples e capas ilustradas com xilogravuras, que também são símbolo da estética do cordel.
Estrutura poética
Geralmente, os cordéis utilizam:
- Sextilha: Estrofe com seis versos de sete sílabas poéticas e esquema de rima como ABABCC ou AABBCC.
- Décima: Dez versos com métrica e estrutura mais complexa, forma apreciada entre cantadores em desafios poéticos.
Exemplos célebres
Desafio de Zé Duda, de Silvino Pirauá
Nesse famoso cordel, o desafio entre poetas é colocado em versos ágeis e inteligentes. O texto envolve conhecimentos científicos, educação e crítica em uma deliciosa disputa por sabedoria.
“Zé — Me informaram que você
Era exímio cantador,
Que da arte que ora exerce
Pretende ser professor
E que em ciência pratica
Discute como um doutor.”
História da máquina que faz o mundo rodar, de Antônio Ferreira da Cruz
Já neste cordel, temos a mistura de ficção e crítica social com doses de humor e esperteza, ao narrar a invenção utópica de uma máquina que controlaria o destino humano.
“Agora peço desculpas
Da minha publicidade,
Que a máquina mova o mundo
Não creio que seja verdade,
Afinal para o futuro,
Se verá a realidade!…”
Principais cordelistas brasileiros
Ao longo da história, diversos autores se destacaram por sua habilidade com os versos:
- Leandro Gomes de Barros (1865–1918): Considerado o pai da literatura de cordel brasileira.
- Silvino Pirauá Lima (1848–1913): Um dos pioneiros, com textos didáticos e desafiadores.
- Patativa do Assaré (1909–2002): Poeta reconhecido e respeitado por unir cordel à causa social e política brasileira.
- Antônio Ferreira da Cruz (1876–1965): Autor de textos inventivos e irônicos.
- José Camelo de Melo Resende (1885–1964): Destacou-se pela riqueza métrica e profundidade temática.
Além desses, nomes contemporâneos seguem enriquecendo o gênero, como Val Tabosa, Diosman Avelino e Zé Guri, mantendo viva a voz do povo através da arte popular.
Relevância cultural e educativa
A literatura de cordel é um retrato nítido do Brasil profundo, da sabedoria popular e da crítica social feita com versos inteligentes. Ela proporciona contato com a oralidade, impulsiona a leitura, valoriza figuras históricas e educa por meio da poesia. É um instrumento potente para a construção de identidade regional e nacional.
Nas escolas, o cordel pode ser uma ferramenta pedagógica enriquecedora. Pode-se trabalhar rimas, estrutura textual, expressões idiomáticas e história brasileira a partir de cordéis específicos. Diversas instituições de ensino incluem essas obras em seus projetos interdisciplinares, promovendo leitura crítica e valorização da cultura local.
Literatura viva e em movimento
Apesar de suas raízes no Nordeste rural, a literatura de cordel transcendeu barreiras geográficas e linguísticas. Hoje, seus poetas estão nas capitais, nas universidades, na internet e até nos palcos do teatro. Com adaptações modernas, o cordel chegou ao universo digital, com vídeos, podcasts e perfis nas redes sociais apresentando novos autores e novas abordagens, sem perder a métrica e a autenticidade.
A persistência do cordel no tempo é prova de que há muito valor na arte popular expressa de forma simples, mas poderosa. Seus versos rimados continuam ecoando nos mercados, nas escolas e nos corações de brasileiros que reconhecem na oralidade, na rima e na sátira cordelista a voz de um povo que sabe fazer poesia de sua luta, de sua fé e de sua alegria.
Portanto, em meio a tantos estilos literários, essa arte rústica segue firme como forte símbolo da resistência cultural brasileira, versando, rimando e encantando.
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