A transição do século XIX marcou a literatura com o advento de movimentos estéticos que buscavam uma representação mais fiel e crua da realidade. Nesse cenário, o Realismo e Naturalismo emergiram como forças transformadoras, redefinindo a narrativa e aprofundando o olhar sobre a sociedade e o indivíduo.
Estas escolas literárias, embora distintas em suas abordagens, compartilhavam o anseio por um rompimento com o idealismo romântico, propondo uma visão crítica e científica do comportamento humano e de suas interações sociais.
O que você vai ler neste artigo:
A ascensão do realismo na literatura brasileira
O Realismo, que floresceu na segunda metade do século XIX, representou um marco fundamental na literatura brasileira e mundial. Caracterizou-se pela busca incessante da objetividade, da verossimilhança e de uma análise aprofundada da psicologia dos personagens e dos aspectos sociais da época. Essa corrente literária buscava retratar a vida como ela realmente era, sem idealizações ou escapismos, mergulhando nas complexidades das relações humanas e nas contradições da sociedade.
Ao contrário do romantismo, que valorizava o sentimentalismo e a subjetividade, o Realismo preferia a observação detalhada e a descrição minuciosa. Os autores realistas exploravam temas como a hipocrisia social, o adultério, as desigualdades e a ambição, utilizando uma linguagem direta e desprovida de adornos retóricos excessivos. A prosa realista frequentemente desvendava os bastidores das aparências, expondo a falsidade e os vícios da burguesia ascendente.
No Brasil, o grande nome do Realismo foi, sem dúvida, Machado de Assis. Com uma maestria ímpar, ele soube traduzir a essência do movimento em obras que ainda hoje dialogam com os leitores. Seus romances, como Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro, são exemplos notáveis da profundidade psicológica e da ironia mordaz que caracterizam o Realismo. O autor explorava as nuances da alma humana, os jogos de poder nas relações e a artificialidade das convenções sociais, tornando-se um mestre na arte de desvelar a complexidade do comportamento individual e coletivo.
O movimento realista, portanto, não apenas alterou a forma de contar histórias, mas também a maneira como a literatura se relacionava com o seu tempo. Ele propôs um espelho para a sociedade, convidando à reflexão sobre seus próprios valores e estruturas. A influência do Realismo e Naturalismo foi tão profunda que moldou gerações de escritores e críticos.
Principais características do realismo
O Realismo se distingue por um conjunto de atributos que o consolidaram como uma das mais importantes escolas literárias.
- Objetividade e Verossimilhança: A premissa central era retratar a realidade de forma fidedigna, eliminando idealizações e subjetivismos. Os fatos eram narrados com precisão, buscando uma aproximação máxima com o mundo real.
- Análise Psicológica: Os personagens não eram meros estereótipos, mas indivíduos complexos, cujas motivações e conflitos internos eram explorados em profundidade. A introspecção e a análise do comportamento humano eram cruciais.
- Crítica Social: O Realismo tinha um forte caráter crítico, expondo as mazelas da sociedade, a hipocrisia das classes dominantes, as desigualdades sociais e os conflitos morais da época. A obra funcionava como um instrumento de denúncia.
- Linguagem Direta e Clara: Priorizava-se uma linguagem concisa, precisa e acessível, que se distanciava dos floreios românticos. A clareza era fundamental para a transmissão da mensagem realista.
- Universalidade dos Temas: Embora ambientado em contextos específicos, o Realismo abordava questões humanas universais, como amor, traição, ambição, morte e solidão, garantindo a perenidade de suas obras.
O naturalismo: extensão e radicalização do realismo
Concomitante ao Realismo e muitas vezes considerado uma de suas vertentes mais extremas, o Naturalismo levou os princípios da observação e da objetividade a um patamar ainda mais radical. Influenciado pelas teorias científicas do século XIX – como o positivismo de Auguste Comte, o evolucionismo de Charles Darwin e o determinismo de Hippolyte Taine (que defendia a influência do meio, da raça e do momento histórico na formação do indivíduo) –, o Naturalismo buscou aplicar o método científico à literatura.
Os escritores naturalistas viam o ser humano como um produto do meio social, da hereditariedade e do momento, quase como um “animal” sujeito a instintos e leis biológicas inalteráveis. As narrativas naturalistas frequentemente focavam nos aspectos mais brutais e instintivos da natureza humana, explorando temas como a patologia social, o sexo, a miséria e a violência com uma franqueza muitas vezes chocante para a época. A zoomorfização (atribuição de características animais a seres humanos) era uma técnica comum, ressaltando o lado primitivo e irracional do comportamento.
No cenário da literatura brasileira, Aluísio Azevedo é o grande expoente do Naturalismo. Sua obra O Cortiço é o exemplo mais emblemático do movimento, retratando a vida de moradores de um cortiço carioca, onde as paixões, os vícios, as disputas e a degradação social são expostas de forma crua e determinista. A coletividade do cortiço funciona como um organismo vivo, e os personagens são moldados pelas condições insalubres, pela hereditariedade e pelos instintos, demonstrando a influência do meio sobre o indivíduo.
O Naturalismo, portanto, aprofundou a crítica social realista, mas com uma abordagem mais científica e pessimista. A arte era vista como um laboratório, onde o escritor dissecava a realidade para demonstrar as “leis” que regiam a conduta humana. Essa perspectiva, embora chocante para alguns, foi fundamental para o desenvolvimento de uma visão mais abrangente e menos idealizada da sociedade em que o Realismo e Naturalismo estavam inseridos.
Diferenças essenciais entre realismo e naturalismo
Embora frequentemente estudados em conjunto, o Realismo e Naturalismo possuem diferenças entre realismo e naturalismo cruciais que os separam como escolas literárias com abordagens específicas:
| Característica | Realismo | Naturalismo |
|---|---|---|
| Foco Principal | Análise psicológica e crítica social da burguesia. | Determinismo biológico e social; patologias sociais e instintos. |
| Visão do Homem | Indivíduo com livre-arbítrio (ainda que limitado por convenções sociais); complexidade psicológica. | Indivíduo como produto do meio, da raça e do momento (determinismo); animalização e submissão aos instintos. |
| Temática | Adultério, hipocrisia, ascensão social, crítica aos valores burgueses. | Sexo, miséria, vícios, doenças, crimes, coletividade, com enfoque nas classes mais baixas e marginalizadas. |
| Estilo | Linguagem objetiva, elegante, por vezes irônica; narrador onisciente e analítico. | Linguagem mais crua, por vezes chocante; descrições detalhadas e explícitas; narrador também onisciente, mas com foco mais “científico” e menos subjetivo. |
| Representantes no Brasil | Machado de Assis, Raul Pompeia (em parte), Aluísio Azevedo (em obras iniciais). | Aluísio Azevedo, Adolfo Caminha, Domingos Olímpio. |
É vital compreender essas diferenças entre realismo e naturalismo para analisar as obras e o contexto em que foram produzidas. Enquanto o Realismo se concentrava na complexidade da psique e da sociedade burguesa de forma mais sutil, o Naturalismo mergulhava nos aspectos mais crus e deterministas da existência, muitas vezes nas camadas mais pobres e marginalizadas da sociedade.
Questões-modelo sobre realismo e naturalismo
Para aprofundar a compreensão sobre o Realismo e Naturalismo, a análise de questões é essencial. Abaixo, apresentamos exemplos que abordam as características e nuances dessas escolas literárias.
-
Analise o excerto a seguir e identifique as características realistas presentes:
“Era D. Glória uma senhora cinquentona, gorda, baixa, corada, sem busto, e com uma figura que não prometia nada. A voz era sumida e doce, o riso meigo e o gesto comedido; era a pessoa mais aborrecível que se pudesse encontrar, e, contudo, inspirava respeito, não só pela riqueza, mas também pelo ar de dignidade que a cercava.” (Trecho adaptado de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis)- Comentário: O trecho demonstra a objetividade da descrição física, que se distancia da idealização romântica, e a ironia ao contradizer a aparência com a respeitabilidade social, evidenciando a crítica às convenções da burguesia. A análise profunda da personagem revela camadas de hipocrisia e a complexidade da condição humana, marcas do Realismo.
-
Compare e contraste as seguintes sinopses de obras, classificando-as como Realistas ou Naturalistas e justificando sua escolha:
- Sinopse A: A história de um homem que, após herdar uma fortuna, se dedica a analisar as convenções sociais de sua cidade, desvendando as aparências e os segredos por trás de casamentos e relações de poder. Ele se depara com a falência moral e a hipocrisia da elite, levando a uma reflexão existencial profunda.
- Sinopse B: Um romance que narra a vida de uma coletividade de operários e imigrantes em um cortiço, onde as condições de vida insalubres e a luta pela sobrevivência levam os personagens a comportamentos instintivos, violentos e passionais, condicionados pela miséria e pela hereditariedade.
- Comentário: A Sinopse A aponta para o Realismo, focando na análise social e psicológica da elite, com ênfase na crítica à hipocrisia e na reflexão individual. A Sinopse B, por sua vez, é claramente Naturalista, destacando o determinismo do meio (cortiço), a coletividade, os instintos e a patologia social, elementos centrais da obra de Aluísio Azevedo.
-
**Explique a importância de *Machado de Assis* e Aluísio Azevedo para o desenvolvimento do Realismo e Naturalismo na literatura brasileira.**
- Comentário: Machado de Assis é fundamental para o Realismo brasileiro por sua maestria na análise psicológica, na crítica social sutil e irônica, e na desconstrução de valores. Aluísio Azevedo é o pilar do Naturalismo, ao aplicar o determinismo científico para retratar a degradação social e os instintos humanos em obras que expuseram as mazelas da sociedade com crueza. Ambos moldaram profundamente as escolas literárias no país.
Em suma, o Realismo e Naturalismo representaram um divisor de águas na literatura brasileira e mundial, ao propor uma visão mais objetiva, analítica e crítica da realidade. Embora com diferenças entre realismo e naturalismo notáveis, ambas as escolas literárias buscaram desmistificar a vida, expondo as complexidades da alma humana e as contradições sociais. Seus legados, personificados em autores como Machado de Assis e Aluísio Azevedo, continuam a ser estudados, oferecendo chaves valiosas para a compreensão do homem e da sociedade. A riqueza e profundidade dessas correntes literárias permanecem como um convite constante à reflexão e ao aprimoramento do olhar crítico.
Leia também:
- 20 obras essenciais da literatura brasileira para conhecer
- As aparições de Luis Fernando Verissimo no Enem
- Barroco: estilo literário marcado por contrastes e religiosidade
- Citações de Lygia Fagundes Telles para enriquecer sua redação
- Desafios do Enem: Esculturas e Machado de Assis
- Diferença entre denotação e conotação na interpretação de textos
- Evento discute obras obrigatórias da Fuvest 2026
- Fuvest impulsiona vendas de autoras em mais de 900%