Trovadorismo na Idade Média: cantigas e trovadores que marcaram a literatura

Durante a Idade Média, um movimento poético-musical conquistou os corações das cortes europeias com versos que celebravam amores impossíveis, lamentos femininos e sátiras mordazes. O trovadorismo, como ficou conhecido, marcou profundamente os primórdios da literatura em língua portuguesa.

Composto por cantigas compostas e entoadas por trovadores, o movimento trazia lirismo, música e cena dramática. Suas composições ilustram as relações sociais e afetivas do período feudal, consolidando a cultura cortês e valorizando a língua galego-portuguesa.

Resumo sobre trovadorismo

Originário entre os séculos XI e XII, o trovadorismo foi o primeiro movimento literário da Península Ibérica. Suas produções, denominadas cantigas, eram elaboradas para serem cantadas ou recitadas com o auxílio de instrumentos musicais.

Essas cantigas assumiam diferentes funções e temas:

  • Cantigas de amor: exaltavam o amor cortês, com o trovador assumindo a posição de servo da dama.
  • Cantigas de amigo: embora escritas por homens, davam voz a uma mulher que expressava saudades do amado.
  • Cantigas de escárnio: recheadas de ironias, faziam críticas sutis.
  • Cantigas de maldizer: agressivas, nomeavam diretamente os alvos da sátira.

Além das letras, o trovadorismo teve um papel político e social, utilizado pelas elites como forma de cultura e difusão de ideias.

Contexto histórico do trovadorismo

Durante a Baixa Idade Média, a Europa vivia sob forte estrutura feudal. Terra era símbolo de poder e riqueza, e sociedades eram divididas entre a nobreza e os servos. A cultura era moldada principalmente pelas elites e pela Igreja.

Nesse ambiente, o trovadorismo floresceu nas cortes, incentivado por reis e senhores feudais que promoviam saraus e festas. Os trovadores frequentemente eram nobres instruídos, enquanto os jograis e menestréis, de origem popular, recitavam e dramatizavam as cantigas.

Com o declínio do latim vulgar, o galego-português tornou-se o idioma preferido dos trovadores da Península Ibérica, especialmente em Portugal e Galícia. Assim, o trovadorismo ajudou a consolidar os fundamentos da literatura portuguesa.

Características do trovadorismo

O trovadorismo reúne elementos de literatura, oralidade e música. Suas obras eram fortemente poéticas, com forte apelo rítmico, facilitando a memorização e a declamação pública.

Entre suas características principais, destacam-se:

  • Musicalidade e oralidade: as cantigas eram compostas para serem acompanhadas por instrumentos como a lira e a viola.
  • Temas amorosos ou satíricos: as cantigas variavam de acordo com seu objetivo e personagem central.
  • Estrutura formal: uso de paralelismos e refrões repetitivos (leixa-pren), comuns na tradição oral.
  • Linguagem cortês ou popular: as cantigas oscilavam entre a sofisticação lírica e a ironia do falar popular.
  • Função social: além de expressão estética, tinham fins políticos, amorosos ou morais.

O amor idealizado era um tema central, principalmente nas cantigas de amor e amigo, centradas no sofrimento e na saudade.

Trovadorismo em Portugal

O trovadorismo português teve sua origem nas cortes de Leão, Galícia e do Condado Portucalense, durante os séculos XII e XIII. Foi uma literatura ibérica, marcada por grande intercâmbio entre os reinos hispânicos.

O auge do estilo ocorreu no reinado de Dom Dinis I, chamado de “Rei Trovador”, que incentivou intensamente a produção artística e literária. Foi ele quem oficializou o galego-português como língua do reino e patrocinou diversas compilações poéticas.

Essas cantigas refletiam questões religiosas, sociais e políticas, sendo fundamentais para o fortalecimento da identidade cultural portuguesa que despontava com força após a Reconquista cristã.

Autores e obras do trovadorismo

Embora muitas cantigas tenham autoria anônima, diversos trovadores se destacaram:

  • João Soares de Paiva: considerado o mais antigo trovador português conhecido.
  • Martin Codax: autor das famosas “Cantigas do mar de Vigo”.
  • João Garcia de Guilhade: destacado pelas cantigas satíricas.
  • Paio Soares de Taveirós: escreveu a famosa “Cantiga da Garvaia”.
  • D. Dinis I: rei de Portugal que compôs dezenas de cantigas.
  • Afonso X, o Sábio: rei de Castela, grande divulgador do trovadorismo peninsular.

As composições sobreviveram graças à conservação em pergaminhos reunidos nos Cancioneiros, tornando-se fonte crucial para o estudo da lírica medieval ibérica.

Cantigas

As cantigas do trovadorismo dividem-se em dois grandes grupos: as líricas e as satíricas. Cada tipo possuía finalidade própria e seguia estruturas particulares.

Cantigas líricas

Expressam sentimentos amorosos e afetivos, representando o sofrimento provocado pelo amor ou pela ausência.

Cantigas de amor

O trovador (homem) dirige-se à senhora amada com reverência, colocando-se na posição de servidor. A amada normalmente permanece indiferente. O sofrimento (coita) e a admiração formam a base do poema.

Exemplo:

Mesura seria, senhor,

de vos amercear de mi,

que vós em grave dia vi,

e em mui grave voss’amor…

(D. Dinis)

Cantigas de amigo

Aqui é a voz da mulher que se pronuncia, sofrendo por amor. Muitas vezes dirigem-se à mãe, amigas ou à natureza. São marcadas por paralelismos e imagens bucólicas.

Exemplo:

Muyto me tarda

o meu amigo na Guarda…

(D. Sancho I ou Afonso X)

Cantigas satíricas

Têm caráter crítico e jocoso, tratando de comportamentos sociais, políticos ou pessoais.

Cantigas de escárnio

Usam ironia e duplo sentido. Os ataques são velados e o alvo não é nomeado diretamente.

Exemplo:

Dona fea, velha e sandia…

(João Garcia de Guilhade)

Cantigas de maldizer

São diretas, com xingamentos e acusações explícitas, mencionando o nome do crítico ou zombado.

Exemplo:

Pois quando deitou ela em minha cama,

A mim mui bem de ti ela falava…

(Martim Soares)

Cancioneiros

Os registros das cantigas encontram-se preservados em três importantes compilados medievais:

  • Cancioneiro da ajuda: escrito no século XIII, com versos empenhados sobretudo na temática amorosa. Não chegou a ser finalizado.
  • Cancioneiro da Biblioteca Nacional (ou colocci-brancuti): reúne cerca de 1560 cantigas de aproximadamente 150 autores.
  • Cancioneiro da Vaticana: cópia medieval que integra 1205 cantigas, demonstrando a riqueza e diversidade dos estilos trovadorescos.

Alguns destes manuscritos continham notações musicais, como é o caso das “Cantigas de Martin Codax”, permitindo que várias composições fossem reconstituídas e tocadas na atualidade.

Portanto, o trovadorismo, com sua riqueza artística e cultural, não foi apenas um estilo musical ou poético, mas um reflexo sensível das complexas relações sociais medievais. Ao entrelaçar música, poesia, performance e crítica, esse movimento lançou as primeiras sementes da literatura portuguesa, compondo a base para expressões que viriam nos séculos seguintes.

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