Pouca gente sabe, mas o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já foi o centro de um escândalo com elementos de novela policial. O caso ocorreu em 2009 e revelou falhas graves na segurança da prova.
Essa história veio a público após a denúncia da jornalista Renata Cafardo, que investigou o roubo das provas e transformou o caso em um livro-reportagem publicado anos depois. A obra narra em detalhes os bastidores da apuração.
O que você vai ler neste artigo:
O roubo do Enem de 2009: um marco na história da prova
O episódio ganhou contornos dramáticos logo nas primeiras horas de apuração. Renata Cafardo, então chefe de reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, recebeu uma ligação oferecendo as questões da prova do Enem por R$ 500 mil. Ainda grávida e enfrentando problemas pessoais, aceitou o desafio de apurar os fatos. O encontro com os criminosos aconteceu em um café no bairro de Perdizes, em São Paulo.
A cena descrita por ela no livro impressiona: os cadernos do Enem estavam protegidos em uma pasta preta e continham símbolos familiares, como os logotipos do Inep e da Connasel (empresa responsável pela aplicação da prova). Elementos visuais como uma tirinha da Mafalda e versos da canção “Minha terra tem palmeiras” foram decisivos para confirmar a autenticidade das questões.
Enquanto o Ministério da Educação tentava confirmar se os cadernos realmente haviam vazado, a equipe do jornal trabalhava intensamente para publicar a matéria antes do encerramento da edição. A manchete foi definitiva: “Prova vaza e MEC decide cancelar o Enem”.
Impactos da fraude e mudanças na estrutura da prova
Naquela época, o Enem passava por uma reformulação significativa. Reformulado pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad, o novo modelo de prova seria usado por universidades públicas e particulares na seleção de alunos. A proposta incluía uma avaliação menos conteudista e mais interdisciplinar.
A edição de 2009 marcaria a estreia desta nova versão, composta por 90 questões e aplicada para cerca de 4 milhões de estudantes. No entanto, o roubo forçou o MEC a cancelar a prova dois dias antes da aplicação, gerando pressão em todos os níveis da administração pública e abalos na credibilidade do exame.
Além da perda de confiança no sistema, outras consequências surgiram, como a revisão nos contratos de logística, maior rigor na segurança e início de investigações sobre as etapas de elaboração e transporte das provas. O vazamento foi considerado um divisor de águas na maneira como o exame passou a ser tratado pela União.
A cobertura do escândalo no livro de Renata Cafardo
Publicado em 2017 pela editora Record, o livro-reportagem "O roubo do Enem: A história por trás do vazamento da principal prova do país" documenta todos os bastidores da apuração jornalística. A narrativa é fluida, com trechos descritivos, idas e vindas no tempo e o uso de elementos literários que aproximam a leitura de uma história ficcional — embora todos os eventos sejam reais.
A obra também explora como a imprensa age em momentos de crise, o papel da ética no jornalismo e a frágil relação entre repórteres e o poder público. Um trecho impactante mostra o diálogo entre o assessor do Ministério da Educação e o ministro Fernando Haddad sobre como conduzir a crise: “Que manchete você quer amanhã, Fernando? ‘MEC cancela Enem’ ou ‘Enem sob suspeita’?”. A decisão foi rápida — e definitiva: cancelamento.
O caso de 2025 e os ecos do passado
Em novembro de 2025, a prova voltou a ser manchete após denúncias de estudantes indicarem possível antecipação de questões por meio de uma live no YouTube. O conteúdo havia sido publicado cinco dias antes da aplicação oficial. O autor da live, Edcley Teixeira, admitiu ter comprado informações de estudantes que participaram de um pré-teste do Enem, oferecendo valores simbólicos para memorizar as perguntas.
Três questões foram anuladas após análise do Inep, e o G1 identificou outras duas semelhantes às “antecipadas”. O episódio segue sob investigação, reacendendo discussões sobre a segurança do exame e práticas que ameaçam sua integridade.
Renata Cafardo, mencionada por Edcley como inspiração, destacou em vídeo recente que seu livro não cita o Prêmio Capes Universitário — meio pelo qual, supostamente, ele acessou as questões — justamente porque essa premiação não existia em 2017, ano de publicação do livro. A tentativa de se basear na obra para justificar ações ilegais gerou críticas entre especialistas em educação e jornalistas.
Fraudes e credibilidade: desafio recorrente no Enem
O Enem já enfrentou outros episódios de desconfiança, como denúncias de acesso privilegiado a questões, problemas técnicos e erros de gabaritos. Cada novo caso levanta preocupações de estudantes e educadores acerca da legitimidade do exame, que é hoje o principal mecanismo de ingresso ao ensino superior.
Casos como os de 2009 e 2025 evidenciam a importância de medidas rigorosas de segurança desde a concepção da prova até sua aplicação, além da necessidade de responsabilização transparente diante de falhas. O MEC e o Inep, mais uma vez, estão diante do desafio de restaurar a confiança pública no processo seletivo.
A história continua a se desenrolar — tanto nas páginas de um livro quanto nos bastidores mais recentes da educação brasileira.
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