Fuvest 2026: temas polêmicos na primeira fase

A primeira fase da Fuvest 2026, aplicada no dia 23 de novembro, surpreendeu candidatos ao tratar temas sensíveis e atuais com profundidade crítica. Questões abordaram debates sociais, políticos, científicos e artísticos amplamente discutidos nas redes sociais e veículos jornalísticos.

Com questões que exigiram conhecimentos interdisciplinares, a prova estimulou reflexões sobre direitos do trabalho, mudanças climáticas, disputas geopolíticas e representações culturais, cumprindo o papel de avaliar mais que conteúdos: avaliou pensamento crítico.

CLT e a nova precarização do trabalho

Uma das questões que mais repercutiram foi a que tratava da chamada "demonização da CLT", fenômeno popularizado no início de 2025 por meio de vídeos e memes que apresentavam o regime celetista como sinônimo de prisão, burocracia e limitação de liberdade profissional. Na prova, esse tema foi vinculado a dados da PNAD, conectando a linguagem digital à realidade vivida por trabalhadores brasileiros.

A abordagem focou em elementos como a uberização do trabalho e os chamados trabalhadores "just-in-time", que operam sob a falsa promessa de autonomia — mas enfrentam jornadas imprevisíveis e instabilidade financeira. Os aplicativos de transporte e entrega aparecem como símbolos dessa nova forma de emprego precarizado que redefine vínculos e enfraquece direitos historicamente conquistados.

Ao tratar o assunto, a prova propôs reflexões sobre o sentido social do trabalho formal, os efeitos da informalidade, e como a juventude se posiciona diante das promessas neoliberais de flexibilidade. A escolha desse tema evidencia o propósito da Fuvest de provocar análises mais complexas sobre as estruturas do mercado atual.

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Ciência e genética: o retorno dos “lobos-terríveis”

A prova também trouxe uma questão inspirada em um dos assuntos científicos mais comentados do ano: a recriação de animais com aparência semelhante aos lobos-terríveis, extintos há milhares de anos. A prática, promovida por empresas de biotecnologia, foi tratada como um exemplo de aplicação da técnica de edição gênica.

A questão exigia conhecimento sobre hereditariedade e apontou que os novos animais — embora parecidos com os lobos originais — não são geneticamente idênticos a eles. Como foram criados a partir do DNA de lobos modernos, com trechos específicos alterados, os filhotes nascem com aparência ancestral, mas sua composição genética não representa uma “ressurreição” da espécie.

Essa diferenciação levantou discussões sobre os limites éticos e técnicos da ciência contemporânea, além de permitir que o vestibulando refletisse sobre como o avanço tecnológico reconfigura conceitos como identidade biológica, conservação e artificialidade da natureza.

Pegada ecológica da inteligência artificial

Outro tema que apareceu de forma inusitada na prova foi o impacto ambiental causado pela produção massiva de imagens por inteligência artificial. A imagem apresentada retratava uma capivara vestida de formatura — feita com IA — enquanto a questão pedia cálculos sobre a emissão de gás carbônico resultante da geração constante desses conteúdos.

Com o aumento da popularidade de sistemas como DALL·E e Midjourney, milhões de imagens são produzidas diariamente, muitas vezes exigindo energia de fontes não-renováveis. A questão mencionava que esse consumo, em larga escala, poderia até demandar a reativação de usinas termoelétricas, especialmente a carvão, uma das mais poluentes do planeta.

Ao pedir a análise da emissão de CO₂ decorrente dessa prática, a Fuvest testou habilidades em ciências naturais com aplicação social urgente. Além disso, o gabarito esperava que o aluno fosse capaz de reconhecer que o impacto ambiental das tecnologias digitais vai muito além do uso direto pelo consumidor, envolvendo toda uma cadeia energética.

Carnaval, política e direito à cidade

A festa popular mais marcante do Brasil também apareceu como elemento de crítica social e política. Uma das questões abordou a politização do carnaval não como um veículo partidário, mas como manifestação de direitos civis, culturais e urbanos. Baseado em um texto da ONG Artigo 19, o item destacou o carnaval como um espaço de liberdade de expressão, fruição cultural e ocupação das ruas.

O momento refletiu discussões travadas sobretudo nos blocos de rua e nas redes sociais, onde temas como racismo, gênero, desigualdade urbana e censura são frequentemente articulados por meio da arte. A compreensão proposta pela prova avançava a ideia de festa como mero entretenimento, apresentando-a como palco legítimo de lutas sociais e educativas.

O item demandou sensibilidade dos candidatos para reconhecer o valor da arte popular como expressão crítica, além de repertório para contextualizar desafios enfrentados por manifestações artísticas nas cidades brasileiras.

Questões sociais e ambientais em destaque

A Fuvest também trouxe questões ligadas a disputas políticas e ambientais de grande relevância. Entre elas, a tensão entre Venezuela e Guiana pela região de Essequibo foi abordada a partir de acontecimentos recentes, que conquistaram grande visibilidade na imprensa. O estudante precisava demonstrar familiaridade com dinâmicas de geopolítica e ocupação territorial.

Outro destaque foi a questão que utilizou uma charge sobre o Marco Temporal. O tema, intensamente discutido ao longo de 2025, apareceu na prova em sua dimensão crítica: a imagem apresentava o contraste entre o discurso urbano elitizado e a realidade das populações indígenas, reforçando o debate sobre o direito à terra e à cultura.

Na área ambiental, uma das perguntas tratou da Mata Atlântica com base em dados do Atlas dos Remanescentes. Apesar de o desmatamento ter diminuído, a prova explorou a ideia de que isso não representa estabilidade ecológica, chamando atenção para a necessidade da preservação ativa dos remanescentes florestais.

Diálogos com arte e decolonialidade

O campo artístico também foi explorado de maneira crítica. A obra “Zero Cruzeiro”, de Cildo Meireles, por exemplo, foi utilizada para discutir o valor simbólico da moeda e a invisibilidade social de determinadas populações. A peça imita cédulas reais, mas com valor nulo e figuras de corpos marginalizados, provocando reflexão sobre o valor atribuído às vidas nas bordas da sociedade.

Outro ponto relevante foi a presença da artista Maria Auxiliadora da Silva, cuja obra foi tratada dentro do debate decolonial. A prova sugeriu que a classificação de sua arte como “primitiva” ou “ingênua” revela um olhar colonizador. O candidato precisava reconhecer um possível viés elitista na categorização da produção de artistas negros e periféricos.

Essas questões evidenciam o esforço da Fuvest em incluir representações diversas e trabalhar conceitos como racismo estrutural, identidade cultural e críticas ao cânone artístico tradicional — exigindo mais do que observação estética, mas também reflexão crítica.

Obras literárias e atualidades

A lista de leitura obrigatória da Fuvest 2026 foi amplamente cobrada. Das nove obras, apenas “Nebulosas”, de Narcisa Amália, não apareceu. Já “Caminho de pedras”, de Rachel de Queiroz, foi articulada a desigualdade de gênero no trabalho, enquanto “As meninas”, de Lygia Fagundes Telles, integrou um item sobre ditadura, feminismo e cotidiano.

A prova mostrou esforço em relacionar os livros clássicos a temas vivos na sociedade contemporânea, convocando o estudante a pensar além da superfície narrativa. Também apareceram pensadores como Nísia Floresta, Durkheim e Julia Lopes de Almeida, usados para discutir a educação feminina e seus desafios históricos e atuais.

Essa perspectiva intertextual favorece candidatos com leitura crítica, que conseguem estabelecer conexões entre autores consagrados e problemas sociais presentes.

Próximos passos na Fuvest 2026

Os candidatos que realizaram a primeira fase devem acompanhar o calendário com atenção. A divulgação dos aprovados para a segunda fase está prevista para 1º de dezembro, com provas nos dias 14 e 15 do mesmo mês. As etapas seguintes apresentam questões discursivas, além de uma redação.

É essencial revisar os conteúdos com foco nas áreas específicas dos cursos desejados e praticar respostas abertas. Alguns cursos ainda exigem provas de competências específicas, como Música e Artes Visuais, realizadas entre 9 e 12 de dezembro — conforme a carreira.

O resultado da primeira chamada será divulgado no dia 23 de janeiro de 2026. Até lá, é recomendável que os candidatos acompanhem atualizações e reforcem o preparo com atenção às orientações da banca organizadora.

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