No romance Memórias de Martha, de Júlia Lopes de Almeida, o leitor é convidado a mergulhar nas lembranças emocionais de uma mulher que viveu entre a pobreza e os limites sociais impostos no Brasil do século 19. O enredo, embora situado em tempos antigos, aborda temas que continuam atuais.
A narrativa atravessa questões como desigualdade social, machismo estrutural e maternidade solo, revelando-se uma janela para refletir sobre os desafios enfrentados por mulheres em diferentes épocas.
O que você vai ler neste artigo:
Enredo centrado na vivência feminina
Publicada inicialmente em 1899 como folhetim, a obra se desenrola na primeira pessoa, com a protagonista Martha resgatando suas memórias da infância até a vida adulta. Após a morte do pai, acusado injustamente de roubo, Martha e sua mãe enfrentam uma dura reviravolta: perdem o sustento e são forçadas a viver num cortiço. A mãe, antes protegida pelo status conjugal, passa a trabalhar como costureira.
É dentro desse cenário precário que Martha se confronta com a pobreza, doenças e a realidade dos cortiços do Rio de Janeiro. Entretanto, a oportunidade de estudar muda seu rumo. A escola, como símbolo de esperança, torna-se o meio pelo qual ela vislumbra uma possibilidade de ascensão social.
O romance mostra, assim, não apenas o amadurecimento da protagonista, mas evidencia os mecanismos que se perpetuam para manter opressões sociais e de gênero.
Conflito entre o meio e a possibilidade de superação
Assim como outras obras do realismo e do naturalismo brasileiro, Memórias de Martha articula uma crítica social calcada no determinismo – a ideia de que o meio e a origem social influenciam o destino dos indivíduos. O cortiço, representado como um lugar de miséria física e moral, é o cenário central do início da obra.
No entanto, Júlia Lopes de Almeida subverte de modo sutil esse determinismo ao apresentar a trajetória de Martha como uma exceção possível graças à educação. Em contraste com Carolina, uma vizinha bondosa e batalhadora que permanece aprisionada à sua condição pela ausência de oportunidades, Martha representa o escape ‒ ainda que parcial ‒ desse contexto.
A narrativa insiste na ideia de que, apesar da ascensão social, a origem humilde sempre permanece como marca indelével para uma mulher na sociedade brasileira do século 19.
Educação como chave de transformação
Entre os elementos centrais da obra destaca-se a educação como forma de ruptura com a miséria. A ida de Martha à escola marca um ponto de inflexão fundamental. Ao reconhecer-se como aluna aplicada e futura professora, ela compreende a importância do conhecimento como ferramenta de mudança não apenas para si, mas também como meio de reconhecimento social.
Esse valor concedido à educação aproxima a obra de Júlia Lopes de Almeida do pensamento de Nísia Floresta, autora de Opúsculo Humanitário, também exigido na Fuvest 2026. Floresta defendia, já em 1853, que a educação feminina seria essencial para o progresso social e para a emancipação das mulheres.
A influência materna sobre Martha também reforça essa ideia quando, mesmo sem instrução formal, sua mãe sacrifica tudo pela formação da filha. O exemplo da mãe é tratado como essencial: um modelo que enfrentou desilusões e preconceitos para proteger e promover o futuro de Martha.
Desigualdade e estrutura social
A crítica à desigualdade perpassa toda a narrativa. Ao descrever seu cotidiano no cortiço, Martha evidencia as diferenças gritantes entre sua vida e a de meninas de classe alta. O contraste é feito com personagens como Lucinda, que recebe brinquedos caros, aulas de piano e alimentação farta, enquanto Martha e a mãe vivem de pão e café.
Esse abismo entre as classes não se dissolve mesmo com a evolução social de Martha. Apesar de conseguir estudar e, mais tarde, transitar em círculos mais sofisticados, a marca da pobreza de origem continua sendo um estigma. Isso fica nítido quando, mesmo educada, ela precisa se casar para não ser malvista pela sociedade de seu tempo.
Por meio dessas cenas, a autora questiona a divisão social rígida que não permite ao indivíduo ultrapassar certas “barreiras invisíveis”, mesmo com mérito, esforço e educação.
Entre o realismo e o naturalismo
Memórias de Martha se insere na intersecção entre o realismo e o naturalismo, tendências literárias que dominaram boa parte da produção brasileira no final do século 19.
- No aspecto do realismo, destaca-se o olhar crítico sobre as estruturas sociais e a ausência de idealização das personagens.
- Já no naturalismo, a obra apresenta características como o determinismo social, as condições ambientais degradantes e a aproximação com temas científicos e psicológicos da época.
Ao contrário de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, onde o meio corrompe irremediavelmente todos os indivíduos, o romance de Júlia Lopes de Almeida oferece uma visão mais esperançosa – embora não otimista – sobre a possibilidade de superação por meio da educação e da resistência individual.
Representação feminina e maternidade
Um dos grandes destaques da obra é o olhar íntimo e sóbrio sobre a condição feminina no século 19. Embora Martha seja uma jovem que alcança certo grau de independência, ela é constantemente confrontada pelas limitações impostas às mulheres. O casamento com Miranda, escolhido mais por conveniência e pressão social do que por desejo, indica como a reputação feminina era frágil e pautada por normas morais rígidas.
A figura materna assume papel central e simbólico no romance. É retratada como exemplo de força e abnegação, desafiando a realidade cruel para garantir o futuro da filha. Ao final da narrativa, a despedida entre mãe e filha sintetiza o peso emocional de toda a trajetória de ambas.
O trecho em que Martha questiona por que não teria os mesmos direitos que Lucinda resume com clareza a angústia de viver num país em que oportunidades são desigual e seletivamente distribuídas.
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Memórias de Martha se destaca na lista da Fuvest 2026 por reunir aspectos históricos, literários e sociais sob a ótica feminina. A obra segue relevante ao demonstrar que, mesmo após mais de um século, muitas de suas reflexões ainda ressoam fortemente na realidade brasileira atual.
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